14 de dez. de 2014

A necessidade do para sempre

     "E eles foram felizes para sempre". É assim que as histórias bonitas terminam (ou começam?). Não basta estar junto, não adiantava viver o hoje; um dia de cada vez não é o suficiente. Queremos que dure para sempre. Tem que durar, senão não tem graça. Tem que durar, senão significa que fracassamos. Tem que durar, senão não valeu a pena.
     Sou mulher, acredito em final feliz. Desculpe, eu acredito. Mas quer saber? Não quero viver no sonho, quero um amor real, não um amor de cinema. Porque no cinema tudo é retocado. É a vida real que mostra você e ele acordando com o cabelo bagunçado, bafo matinal, baba no travesseiro, rímel borrado, humor revirado, contas empilhadas, lençol amassado, roupas espalhadas num canto qualquer.
     Amar é aceitar a parte fora do lugar do outro. O lado obscuro, sujo, quase cruel. Porque ninguém é santo, puro e limpo o tempo inteiro. Nunca quis que as coisas fossem perfeitas, pois o que é perfeito não tem cheiro de real.
     Vivemos buscando garantias. Queremos que dê certo, queremos fazer dar certo, lutamos para colocar tudo nos trilhos, nos eixos. Mas a vida segue seu ritmo. Os sentimentos têm seus próprios passos de dança. E, de vez em quando, somos obrigadas a ensaiar um novo passo.
     Nem sempre dura. Nem sempre é eterno. Nem sempre é como um sonho bom. E precisamos lidar com isso. Nem que seja na marra. Nem que tenhamos que engolir o choro e, de vez em quando, forçar um ou outro sorriso. Nem que tenhamos que fingir que está tudo bem.
     Eu gostava muito de você. Era tão bonito, era tão intenso. Acreditava no pra sempre. Imaginei uma casa, uma família, uma coisa só nossa. Um esconderijo, um refúgio, um paraíso.
     Cada vez que eu pensava em você me dava um calorzinho no peito. Cada vez que o abraçava o mundo parava de rodar por um segundo. E eu achava que aquilo era amor, achava que aquilo era certo, achava que éramos certos um na vida do outro. Mas não foi. Não fui. Não fomos. Não somos.
     Você foi para um lado. Eu para o outro. Não chegamos nem perto do sempre. Mas teve graça e valeu muito a pena. Valeu, sim. Não fracassamos, claro que não. Deu certo até onde tinha que dar. Foi eterno até ali em que deixou de ser. Não ficou nenhuma magoa, nenhuma vontade, nenhuma saudade.
     O que importa é a forma como vivemos e continuamos vivendo um sentimento. Não importa que nome ele tenha. Não importa se é um amor, um estar apaixonado, um gostar. O que importa é querer que aconteça. O que  importa é querer que seja bom. Não importa se vai durar um dia ou uma vida inteira.



     (Todo mundo quer que seja pra sempre, mas se não for o futuro vai dizer. Se não for o amanhã nos manda um recado. Mas, pra saber, só vivendo e se entregando como se ele, o famoso amanhã, não existisse.)


(Livro: Para todos os amores errados de Clarissa Corrêa)

5 de dez. de 2014

Leituras

A urgência normalmente ferra tudo (Clarissa  Corrêa)

     Podíamos ter tido mais calma, ter ido mais devagar. Deveríamos ter segurado a onda e medido as palavras. Deveríamos ter tentado controlar a raiva para não magoar o outro. Nossos passos tinham que ter sido exatos, nossos tropeços eram para significar nada perto daquilo que estava começando a ser algo especial e único. Erramos feio. Falamos demais e agimos de menos. Magoamos demais e amamos de menos. Gritamos demais e fomos sensíveis de menos. Lutamos demais e nós entregamos de menos. Relutamos e tivemos medo demais e nós entregamos de menos. Relutamos e tivemos medo demais e nós apaixonamos de menos. Tudo o que era pra ser feito fizemos em dobro. E o que era pra ser, bem, ficamos no saldo devedor. No vermelho.
     Fomos burros demais e inteligentes de menos.
     Podíamos ter tido uma história linda. Mágica, pura, sem cobranças, cheia de respeito, livre, saudável e deliciosa como o barulho da chuva.
     Era para ter sido amor.
     Pronto, falei.
     Falei agora. Mas você vai se calar para sempre.


    (Nada novo até aí.)



(Livro: "Para todos os amores errados)